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075 - Pesca do Arrastão, década de 195

Pescadores do
Bairro da Barra

onde tudo começou...

Pesca do arrastão, década de 1950. Acervo Histórico de Balneário Camboriú.

A movimentação dos barcos simples, mas imponentes, pairando sobre o remanso das ondas do mar da beira da praia. As redes movimentadas freneticamente pelos personagens que parecem, sem querer, combinar suas vestimentas. A barra da bermuda dobrada até o alto da coxa e o chapéu protegendo o rosto com a pele já marcada do sol forte da estação. Essa era uma cena e personagens comuns na Praia Central, por volta da década de 1920, na época chamada de Praia de Camboriú. Naquela época, a então cidade de Balneário Camboriú ainda não era uma "selva de pedras", mas sim um grande reduto de pescadores. 

Hoje a memória dessa prática está principalmente localizada nas duas pontas da cidade. Na Barra Norte, onde ainda se pode encontrar alguns barcos pesqueiros atracados na saída do rio do canal Marambaia. E, principalmente, na Barra Sul e no Bairro da Barra, o local mais habitado e desenvolvido do município na época de 1920, também considerado o berço dos pesqueiros e primeiros moradores da cidade.

Um dos pioneiros da pesca no Bairro da Barra, que inclusive ajudou a formar a primeira colônia de pescadores da cidade, a Z7, é avô de Maria Aparecida Rodrigues, mais conhecida como Cida, que hoje, com 53 anos, relembra as memórias que vivenciou durante boa parte de sua vida na região. Vinda de família de pescadores, comenta que na época a pesca era considerada, sem dúvidas, uma das maiores fontes de renda local, assim como o trabalho de extração de uma pedreira que já não existe mais no bairro nos dias de hoje. 

Cida presenciou diversas mudanças no bairro ao longo dos anos, memórias que lhe trazem um tom de saudosismo. 

Pioneiros da pesca na Barra

"Antes era mais uma colônia só de pescadores mesmo, tinha menos pessoas, mais barcos e a pesca era abundante, até porque não havia restrição alguma. Hoje já vejo que os pescadores foram amadurecendo, tem muita gente vindo de fora e pensando de forma diferente, principalmente quanto aos negócios de alta escala", relembra. 

Para a moradora, um dos principais aspectos que influenciaram na diminuição da pesca local ao longo dos anos foi a implementação do período de defeso, que inicia no dia 1º de março e se estende até 31 de maio, no caso do camarão. Esse é o intervalo de tempo em que se proíbe a pesca na modalidade de arrasto e a captura de algumas espécies a fim de preservá-las e evitar sua extinção. 

Cida conta que antigamente, junto com o aumento da pesca, havia também um maior desperdício, principalmente do camarão.

 

"Lembro que minha mãe chamava os camarõezinhos bem pequenos de lêndeas. Eles vinham junto com o resto e eram jogados fora porque não tinham como ser aproveitados. Agora já tomam atitudes para que esses camarões não se percam como na época em que se pescava tudo", relata. 

O avô e o pai de Cida pescaram no Bairro da Barra durante a vida inteira. A filha conta que quando estava em casa ajudava bastante, mas não quis seguir no ramo da família. Seu pai morreu novo, e a mãe continuou vendendo camarão. Já Cida se casou, mudou-se para São Paulo e hoje voltou a morar em Balneário Camboriú, dessa vez no bairro Vila Real. A nativa conta que, na época, as mulheres trabalhavam limpando peixe o tempo inteiro, principalmente como auxiliar dos maridos. Mas, para ela, hoje em dia já não é mais assim. "Hoje as mulheres saem pra trabalhar fora e não mexem mais com a pesca. Poucas ainda querem ficar cheirando a camarão e peixe", aponta em meio a risadas.

O avô de Cida, Manoel Sinfrônio Rodrigues, mais conhecido como seu Tecão, foi considerado o pescador mais antigo do bairro da Barra. Junto de seu grupo de amigos, formado por Emanoel Rebelo dos Santos, conhecido como seu Santinho, Hermogenes de Assis Feijó, Lindolfo André Linhares e José Francisco Vítor, seu Tecão ajudou a formar, em 1925, a primeira diretoria da Colônia de Pescadores Z7 no Bairro da Barra.

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Presidentes da Colônia Z7 ao longo dos anos. Quadros decoram a atual sede da associação.
Imagem: Yasmim Primieri Kochhann.
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Placa oficial de implementação da Colônia de Pescadores Z7.
Imagem: Yasmim Primieri Kochhann.

A colônia, que atua no bairro até os dias de hoje, tem como principal intuito representar o pescador artesanal de Balneário Camboriú. Fazendo a documentação para os pescadores locais, como carteirinha inicial, renovação do documento de capitania e encaminhamento para o auxílio doença e aposentadoria.

Um dos integrantes da colônia desde os seus 14 anos de idade encontra-se em uma casinha simples na rua Pedro Pinto Corrêa, no Bairro da Barra. Na fachada da casa, a placa `vende-se peixe e camarão` entrega que ali vive Flaviano Rebello Filho, mais conhecido como seu Flavinho.

Ao chegar no pátio do local, o homem de 89 anos está sentado, segurando um jornal enquanto se informa sobre as notícias da cidade. Seu Flavinho pratica a leitura diariamente para ficar por dentro das novidades e também exercitar a memória, que nessa altura da vida já carrega muitas histórias.

75 anos de história de pescador

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Seu Flavinho lendo jornal no pátio de sua casa no Bairro da Barra.
Imagem: Yasmim Primieri Kochhann.

Vindo de família de pescadores e lavradores, ele conta que durante a vida já pescou por diversas regiões locais como Itapema, Estaleiro e na Barra, onde mora há 60 anos, desde quando se casou com a esposa e vizinha de porta, Olga Vieira Rebello, de 82 anos, que trabalhava limpando camarão. O pescador conta que antigamente a atividade local era muito mais voltada para a pesca do que pra roça.

Ao relembrar das condições em que se fazia a pesca no início, seu Flavinho comenta que era tudo à base do remo. O motor só entrou no cotidiano dos pescadores da Barra há cerca de 40 a 50 anos. "Hoje se pesca com o motor a óleo, que não gasta quase nada. Quando nós começamos a pescar com motor, era a gasolina. 20 litros de gasolina logo acabavam e tínhamos que vir embora, já hoje com 20 litros de óleo dá pra ficar trabalhando o dia todo", explica. 

Por conta dessas restrições, na época havia horário para se chegar da pescaria. Saía-se bem cedinho para poder voltar ao porto, já com o camarão, por volta das 10h/11h da manhã, já que na época o fruto do mar era cozido e descascado à mão. Durante a conversa, seu Flavinho aponta para uma casa próxima dali onde conta que antigamente ficava uma salga, local em que se pegava o produto pescado para salgá-lo e prepará-lo para a venda. 

Ao relembrar dos desafios envolvidos na pesca, seu Flavinho conta que já passou muito trabalho. "Saíamos de madrugada, tinha que correr duas, três horas mar adentro. Desaparecia isso aqui tudo quando a gente tava em alto mar… Não vai pensar que de lá nós tava vendo a Terra aqui não", pontua. E além dos desafios de pescar, havia também a dificuldade de vender e lucrar. O pescador conta que na época o consumo era pouco, e que muitas vezes os próprios pescadores tinham que andar até próximo à Ilha das Cabras, já cansados de virar a noite pescando, para vender o camarão embaixo do braço contado em cento. "De primeiro íamos pescar e arrastar camarão, enfiava uns quatro, cinco pescadores ali e depois saia com o remo nas costas, pra vender na própria praia. Às vezes vendia, mas muitas vezes sobrava e tinha que trazer pra casa porque se ficava fora apodrecia. Já hoje não precisamos mais ir até as pessoas, são elas que vêm até a gente", complementa. 

O pescador que atuou no ramo até o ano de 2020, hoje já não pesca mais, pois o filho lhe aconselhou a parar devido à idade e um câncer maligno que enfrentou há 6 anos. Mas, mesmo assim, Flavinho ainda mantém viva a tradição da pesca dentro de sua casa, vendendo peixes e iscas. "O que mais me encanta é a pesca... Porque a gente viveu nela, ganhou a vida nela, então cultiva até amor por ela", complementa. Ao se lembrar de suas histórias de pescador, comenta sobre o maior "peixe" que já pegou na região, um Tubarão-Mangona, na Praia do Estaleiro. "Já peguei muita coisa por essas águas. Mangona, botava rede pra pegar Baião Grande. 300 kg de camarão na embarcação a motor, 600 kg de Cação, que agora é proibido de pescar. Corvina nós chegamos a ter até 2 mil quilos no barco", relata com detalhes, como se pudesse visualizar cada uma das empreitadas que viveu em alto mar. 

"Na nossa época não tinha serviço de operário, então ou roçava, ou pescava, ou trabalhava na pedreira local", relata.

"Colocavam tudo em sacos de cebola nos ranchos de embarcação, e ali empilhavam até 4 toneladas de camarão cozido e salgado", relembra.

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Década de 1960, lance de tainha. Acervo de Antonio Jorge Borba.
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Década de 1960 - Flagrante de pesca de cação mangona na Avenida Atlântica, em frente a Ilha das Cabras. Acervo de Antonio Jorge Borba.
Lance de 15.000 taínhas.
Acervo de Antonio Jorge Borba.
23-05-1973 - Lance de 15.000 taínhas, n

Barra em transformação, ou não?

Seu Flavinho comenta que hoje em dia os pescadores da região já não querem mais pescar, porque, segundo ele, a prática não compensa muito devido ao seu caráter de incerteza. Enquanto o operário tem uma taxa de ganho diária e mensal, o pescador pode ganhar em um dia pra semana toda, e depois passar a semana toda sem ganhar mais nada. "Quando dá, dá. Mas quando não dá, não dá", resume o pescador, que diz que se fosse moço hoje, também não iria querer viver da pesca. "A maioria dos filhos de pescadores aqui trabalha nas marinas da região. Se eu fosse eles, com certeza faria o mesmo", complementa. 

Como tudo na vida se transforma, para os pescadores da Barra não foi diferente. Enquanto aponta para a rua, seu Flavinho relembra também as mudanças dos espaços físicos do bairro. "Isso aqui não tinha nada, dava de contar os moradores e umas quatorze poças de água e lagoas que tínhamos que dar a volta pela praça pra ir embora pro estaleiro... Hoje tudo sumiu. Naquele tempo você botava uma casa onde queria lá na praia, ninguém era dono de ninguém", enfatiza. Ele acredita que, apesar de existir a questão da preservação histórica, era para o bairro já estar muito maior e mais desenvolvido hoje. 

"Daqui se fez tudo, mas no final não fizeram nada, tá aí do mesmo jeito. Deveria aumentar mais que agregaria mais valor. Afinal a Barra é mãe de Camboriú e avó de Balneário", complementa o aposentado em meio a risadas. 

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Fundos da Casa Linhares, no centro do Bairro da Barra.  
Imagem: Yasmim Primieri Kochhann

2ª Guerra Mundial: a pausa forçada

Em certa altura da conversa, Flavinho também comenta sobre o perigo que era pescar na cidade na época da 2ª Guerra Mundial, quando a repressão, os problemas sociais e a restrição aos direitos individuais refletiram também no bairro da Barra. Na época, evitava-se ir até o mar por conta do exército, que ficava de guarnição contra o país inimigo que pudesse avançar. "Tinha batalhão na praia, na ponta de Laranjeiras, em Taquaras e na praça do Bairro da Barra também", relata Flavinho.   

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Grupos de combate da 2ª Guerra Mundial em Balneário Camboriú, próximo a casa dos padres. Acervo Histórico de Balneário Camboriú.

Colônia de pescadores Z7

O período de 20 anos após a fase conturbada da guerra, de 1943 a 1963, foi a única fase em que a Colônia de Pescadores Z7 se manteve fechada. Após o retorno, a colônia seguiu desde então amparando o pescador local. O presidente há 8 anos, e também pescador desde os 8 anos de idade, Levi Elias Vicente, comenta que a pesca tem sido bastante valorizada devido ao fato de ter uma colônia sempre atuante e ao bom trabalho feito.

 

"Antigamente era tudo manual, as embarcações tinham que ser puxadas todos os dias, era mais sofrido. Hoje já está tudo mais moderno, com embarcações mais adequadas e mais conforto", comenta. 

Apesar da evolução atual da prática, Levi comenta que a quantia de pescadores na cidade não aumentou ao longo dos anos devido principalmente à carência de suporte do poder público federal. O conjunto de órgão está desde 2014 sem um ministério da pesca, o que tem influenciado na diminuição do número de pescadores devido à algumas burocracias de registro. "Pelo ministério da pesca não existir, o sistema de liberação de carteirinha de licença para o pescador também não foi mais emitido. Todos os anos depois que o pescador faz aniversário ele acaba tendo que vir aqui fazer a manutenção da carteirinha para ficar em dia", explica o presidente da Colônia. 

Apesar das burocracias, hoje a Colônia é referência do estado em organização e estrutura. Ao ser questionado sobre o impacto do crescimento, principalmente imobiliário, da cidade de Balneário Camboriú na pesca local, Levi afirma que a verticalização não chega a atrapalhar o trabalho dos pescadores. "Ficou até melhor, porque quanto mais cresce a cidade, mais aumenta a procura por peixe. Na verdade, até falta demanda de pescaria, com o crescimento dos restaurantes e bares. E quanto à marina, não chegou a tirar nosso espaço, pois manteve-se a área ocupada pelos pescadores", complementa. 

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Atual presidente da Colônia de Pescadores Z7, Levi Elias Vicente, em frente a sede da associação. Imagem: Yasmim Primieri Kochhann.

Esse pensamento é bem diferente do arquiteto e urbanista Gabriel Gallarza, que acredita que a pesca na cidade está atualmente fragilizada. Para ele, os ranchos de pesca e barcos de um lado, e os enormes prédios e lanchas do outro, até podem conviver, o problema é ver que cada vez menos a pesca está tendo espaço. 

"O crescimento vertiginoso e acelerado da cidade acaba promovendo algo que é inevitável: uma degradação do meio ambiente, que acaba impactando também em estruturas de tradição, como a pesca", explica o arquiteto.

O fato é que mesmo com os problemas que a cercam, a pesca ainda é considerada uma grande tradição histórica da cidade, que possui até mesmo data de comemoração. Todo mês de julho ocorre a tradicional Festa do Pescador, em comemoração ao Dia do Pescador. A festa, que dura dois dias, contém apresentações folclóricas da região, eleição da rainha do pescador e culinária típica da cidade com muitos frutos do mar.

Para o pescador e presidente da colônia, Levi Elias Vicente, a pesca é um fator extremamente importante quando se fala da cidade e de como ela se construiu. Para ele, apesar de Balneário Camboriú ser uma cidade turística, a pesca também faz parte do turismo da cidade. "No princípio tudo iniciou com a pesca e as pedreiras, mas só a pesca continuou... Nossa colônia tem 95 anos de existência, é a associação mais antiga de Balneário, o que já diz bastante. É um ponto de cultura, e a cultura precisa ser preservada", complementa. 

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Trecho do Rio Camboriú - Na imagem pode-se perceber barcos pesqueiros de um lado, e lanchas e prédios do outro. 
Ao fundo a passarela que liga atualmente o Bairro da Barra com a Barra Sul. Imagem: Yasmim Primieri Kochhann.
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